GOURMET
A proximidade com pessoas, inclusive familiares, como a minha única irmã e a minha mãe que eram da matéria, quituteiras de mão cheia, não foram suficientes para eu atingir o ponto da escala que classifica quem conhece a atividade culinária. Na verdade, já falei isso por aqui, não consigo nem mesmo fritar um ovo dentro dos padrões normais, sem algum incidente de variável importância.
Mas essa minha predileção pelas ovelhas desperta curiosidades e cria oportunidades variadas no meu cotidiano. Convites para reuniões, palestras, churrascos e até entrevistas para emissoras de rádio ou jornais que procuram divulgar algum evento interligado, tentando dar mais realidade e focando em exemplos verdadeiros. Foi assim que lá por meados dos anos 1990, convidaram-me a participar de um programa de rádio na Charrua FM 97,7, com a conhecida senhora da nossa sociedade, Zeni Calvelo que, além de exercer outras atividades importantes, apresentava um programa ao meio-dia, onde o entrevistado ou entrevistada mostrava uma receita. O convidado e a apresentadora, com a participação de ouvintes, discutiam e detalhavam o preparo da delícia em foco naquele momento.
A picardia, que logo vão entender, começa por aí. Amigo de muitos anos e conhecido profissional de rádio, daqueles locutores com vozeirão afamado, quase um Cid Moreira, Fernando Moura tinha, entre outras, a qualidade de criar brincadeiras com os seus amigos, sempre medindo as consequências, mas fazendo todo mundo rir e “gozar” do resultado.
Reunia-se com um grupo de amigos diariamente no Clube Comercial. Tomavam um cafezinho após o almoço. Por lá, inventou que eu era expert em pratos com carne de ovelha, mas não gostava de ensinar a ninguém, mantendo sempre em segredo as iguarias que preparava. Logo, arquitetou um plano: ele vai ser entrevistado pela dona Zeni no programa do meio-dia, e vai ter que dizer como se prepara a receita que vai apresentar aos ouvintes.
Os amigos que acompanharam esses preparativos, sabedores de minhas nulas qualidades culinárias, riram antecipadamente. O “artista”, que havia trabalhado naquela emissora, conhecendo todos os colegas, conseguiu aproximar-se da apresentadora e sugeriu a minha participação com o seguinte argumento: “Não tem outro melhor. Além de conhecer muito os pratos com carne ovina, também é o presidente da Casa da Ovelha, onde tem se esmerado na criação de novas e gostosíssimas receitas típicas”.
Poucos dias depois, recebi um telefonema da produção do programa. Fui convidado a participar e, caso aceitasse, deveria levar uma receita e explicar, tintim por tintim, todas as etapas e meandros do preparo. Procurei a minha irmã e, pedindo socorro, expliquei que gostaria de ir. Afinal, eu representava a minha classe e aquilo seria uma forma de falar à comunidade. Ela então escolheu uma receita de sua autoria, costumava preparar o prato em casa. Nós o havíamos apelidado de “Quarto à Miss Ovelha”, aproveitando a repercussão de um leilão com esse nome que ocorria todos os anos com grande sucesso.
E lá fui eu, receita em punho, explicações bem detalhadas no verso, quase decoradas de tanto eu estudar. Apresentei a receita, expliquei tudo. A apresentadora fez perguntas, os colegas da rádio também, ouvintes ligaram e acho que consegui atender, assim meio apavorado, mas disfarçando bem, a curiosidade despertada. Ah! Esqueci de dizer que o cara, autor da brincadeira, também era exímio imitador. Já ao final, quase na hora das despedidas e agradecimentos, chega uma ligação que a produção resolveu aceitar, porque tratava-se de alguém falando em espanhol. “En verdad soy argentino y estoy de pasada por Uruguaiana. Soy jefe de cocina del hotel … de Buenos Aires e me encante con la comida presentada. Voy a dejar mi direcion y telefono para que el haga contato. Quiero que el gourmet cocine esa delicia en Buenos Aires”.
Quando eu já estava quase acreditando, deu para ouvir ao fundo uma gargalhada que terminou com a minhas parcas esperanças de ter atraído ouvintes até de Buenos Aires. Era o Fernando Moura e a turma reunida no Clube. Ao menos, a apresentadora ficou feliz, e eu mais ainda, quase convencido de que era um gourmet internacional.
Para encerrar tudo, o programa e a história, surgiu mais uma ligação de ouvinte. Era um homem, falando em bom português. Ele apenas solicitou à apresentadora: “Diga ao Cicico que ovelha não é pra mato!”
Wilson José Mateo Dornelles-Cicico- Veterinário e Produtor Rural